Sunday, July 31, 2005

Esperem por ele



«Mário Soares uma vez disse-me "Na vida as pessoas que se safam são as que são como os gatos: fazem e tapam logo". Eu não sou como os gatos, não tenho essa arte.»
Pedro Santana Lopes, Expresso, 30 de Julho de 2005

Poucas coisas me fariam adiar as férias. Uma entrevista de vida de Pedro Santana Lopes é uma delas. Na última edição do Expresso, à beira dos 50 anos, Santana faz novas revelações sobre o seu tema de sempre: claro, ele próprio e a sua circunstância.
Pedro Miguel de Santana Lopes nasceu em Lisboa, em 1956, no seio de uma família «remediada». «A minha mãe veio de famílias com mais história, a do meu pai era mais operária». No fundo, Santana Lopes é um produto da história do movimento operário. Da infância, Santana recorda com nostalgia o externato que frequentou. «Era muito engraçado, porque era só para rapazes, mas tinha três raparigas. Cada vez que tocavam à porta elas iam a correr para a despensa por causa da inspecção do ministério da Educação. Nunca me hei-de esquecer!» Sim, aquelas tardes passadas na despensa...
Por volta dos vinte anos, Santana Lopes e o seu amigo Zé Manel (Durão Barroso) foram viver juntos. «Juntos salvo seja», sublinha Santana, como se isso fosse necessário. «Ajudávamo-nos muito um ao outro. Eu mais na parte dos ovos, ele mais nos arrozes». Nessa altura, os dois companheiros já viajavam muito por essa Europa, em «actividades políticas». No entanto, fosse qual fosse o destino, faziam sempre escala em Madrid. Tinham lá «duas amigas enfermeiras»: a Mari Carmen e a Pilar. «Como nos esquecíamos do apelido delas, era sempre o mesmo drama: o hospital tinha pisos que nunca mais acabavam e nós tínhamos que fazer os andares todos à procura delas». A «Guida» (Margarida Sousa Uva, então namorada e actual mulher do Zé Manel) é capaz de não compreender isto, mas eu compreendo perfeitamente. Uma noite, também eu conheci uma enfermeira espanhola num bar do Bairro Alto. Esqueci-me não só do apelido como também do primeiro nome. Ainda hoje ando à procura dela.

Pedro Santana Lopes. A este nome associamos logo revistas do coração e vida social. «Estou em exposição permanente desde os 23 anos», confessa. Sucede que, ao contrário do que se possa pensar, ele não gosta particularmente da vida que leva. Mas não é precisamente essa vida «sempre em festa que atrai toda essa gente do teatro [que a gente vê nas campanhas]?», pergunta o Expresso. A resposta de Santana não é muito convincente: «A Eunice Muñoz tem idade de andar sempre em festas? Ou a senhora dona Mariana Rey Monteiro?». É que sobre a Eunice Muñoz eu não sei nada, mas, há uns anos, numa rave ali para os lados de Coimbra, uma amiga minha disse-me que estava a ver a dona Mariana Rey Monteiro a dançar em cima das colunas.
Esta fama de Pedro Santana Lopes deve-se, como é óbvio, à sua relação com «uma senhora de que há bocado falámos com quem vivi sete anos.» Exactamente: Cinha Jardim. A relação foi sempre algo atribulada. É o próprio Santana que o dá a entender. Quando se conheceram, essa «senhora de que há bocado falámos com quem vivi sete anos» atreveu-se a inquirir «o Pedro» sobre «um carro que teria levantado num stand e devolvido meses depois sem pagar». O método utilizado por Santana Lopes na reacção a esta pertinente questão levantada por Cinha constitui a resposta definitiva para aqueles que ainda não tenham percebido «qual é o segredo do gajo». Se não, vejamos: «Eu ouvi uma vez, ouvi duas e um dia cheguei a casa e disse "senta-te aqui". Como eu guardo tudo, mostrei-lhe os recibos, mês a mês. Ela já chorava e pedia "já não quero ouvir mais", e eu dizia, "não ainda só vamos em 1986. Vais ver mês a mês que é para nunca mais falares da história"».

Não se pense, contudo, que nesta entrevista não se falou de política. O Expresso também perguntou a Santana «qual foi o político estrangeiro que mais o marcou?». A resposta foi imediata: «Bill Clinton (risos). A sociedade americana é de um puritanismo falso, que dá espectáculos sórdidos, mas depois aquele assumir a dois foi de facto um espectáculo único». Assim sendo, sem um Kenneth Starr pela frente, Santana veio fazer um bonito «assumir a dois» no Expresso. E não há dúvida que, à sua maneira, esta entrevista também foi «um espectáculo único». Não só pelo que ficou registado atrás, como também pelo que veio acrescentar à história daqueles quatro meses que mudaram o país, um «espectáculo sórdido» para uns, um «espectáculo único» para quase todos.
Tudo começou com a leitura do discurso de tomada de posse, no dia 17 de Julho de 2004. Se fosse hoje, o ex-primeiro-ministro teria falado de improviso. Só não o fez porque «depois há partes que é obrigatório ler, como a política externa», e toda a gente sabe o que acontece quando Santana se põe a falar de improviso sobre política externa. Mesmo assim, com os papéis à frente, «Eu só via a cara do Ministro dos Negócios Estrangeiros a olhar para mim quando viu que saltei uma folhas... Foi uma cena pavorosa. O horror, o horror.» Igualmente intrigante, nessa cerimónia, foi a expressão de surpresa manifestada pelo «Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar». «Sabem como ele é com as caras dele?», justifica-se Santana. O Expresso insiste, quer saber mais. Santana não foge à pergunta; é como aquela música: "easy like sunday morning". «Foi público que houve a hipótese de Paulo Portas sair da Defesa na altura». Por outras palavras, Portas estava com cara de quem não sabia ao que ia. Ainda assim, o momento mais emocionante da sua passagem pela chefia do governo de Portugal terá sido «o dia em que cheguei da ONU, onde estive com Bush e Kofi Annan, e fui ao enterro do pai de um amigo meu e fiz questão de ir ter com a minha professora primária. Estive à conversa com ela durante uma hora, era primeiro-ministro, mas fui lá como aluno». Aliás, o problema de Santana foi basicamente esse: ele era primeiro-ministro, mas, frequentemente, «ia lá como aluno». Um dia, em Dezembro de 2004, foi ao Palácio de Belém como primeiro-ministro e saiu de lá como ex-.
A vida é assim. Injusta. E este homem, que deu tudo ao PPD/PSD, agora é maltratado pela direcção do seu próprio partido. Santana refere-se mesmo «aos do Santo Ofício», uma nova versão da "Spanish Inquisition" dos Monty Python, que, alegadamente, tomou de assalto o PPD/PSD. O vice-presidente Azevedo Soares é uma espécie de Cardinal Ximenez of Spain, só que sobre esse Santana não fala: «porque foi meu chefe de gabinete e porque se falasse era uma maçada...» É uma pena, mas fica para a próxima. «Esperem por mim», avisa.